domingo, 25 de novembro de 2012

Sessão II: do signo à marca ou vestígio.


Na segunda sessão, a par da dicotomia entre desenho referencial e autorreferencial, abordada na sessão anterior, são exploradas, no que diz respeito ao papel do sujeito que desenha, as  noções de desenho como ato transitivo e intransitivo. A primeira envolve uma intencionalidade do sujeito, este é o impulsionador do desenho, e o desenho é o produto e propósito da atividade, por exemplo: representar a ideia de garrafa de água. Na segunda, a ação pretende-se não intencional, o sujeito passa a ser o meio através do qual o desenho se manifesta, sendo a atenção deslocada do propósito da atividade, para a atividade em si, ou seja para o processo, veja-se por exemplo a série Blind Time Drawings do artista Robert Morris (ver pesquisa de trabalhos artísticos aqui). Associadas a estas duas noções estão também os conceitos de signo e vestígio. O signo, no que diz respeito às artes, envolve um processo de significação intencional que tende a ser excluído no caso do vestígio. Enquanto rasto de uma ação o vestígio mostra-nos a atividade em si e não o propósito da atividade (Alfhen, 2008, pp. 61-67). 

À semelhança da sessão anterior, o gráfico em baixo pretende ilustrar as variações, relativamente a diferentes conceções de desenho, que foram provocadas ao longo da sessão pelas situações específicas que cada exercício convoca, evidenciando, mais uma vez, a coexistência de determinados aspetos. Como é visível no gráfico, ao longo da sessão são explorados aspectos opostos do desenho, que num extremo e outro tendem a evidenciar-se mas não se excluem necessariamente. 



ex.1                                   ex.2                                 ex.3                                      ex.4
Fig. 8 - Transformações ocorridas ao longo da sessão.

Legenda:
______________
Signo   
Referencial
Representação
Transitivo 
Representação                         
______________
Vestígio
Autorreferencial
Apresentação
Intransitivo
Ação


A sessão realizou-se na mesma sala que a sessão anterior, foram no entanto retiradas grande parte das mesas para que pudéssemos usar o chão, devidamente coberto de papel cenário, como espaço pictórico. A sessão contou com mais participantes, um total de nove, na sua maioria jovens, com idades entre os 18 e os 19 anos, estudantes do ensino secundário do curso Científico-Humanístico de Artes Visuais, constando também três adulto, com idades na casa dos trinta anos, duas estudantes do Mestrado em Ensino das Artes Visuais e um pessoa sem formação artística e com formação superior na área de informática. 
Ao contrário da sessão anterior, optámos por criar momentos de reflexão e diálogo entre os exercícios e não apenas no final, aproveitando o fato das memórias, sensações e ideias suscitadas pelos exercícios estarem mais presentes, o que facilitou o diálogo sobre as mesmas. 


EXERCÍCIOS:

Isto não é uma garrafa.


No primeiro exercício da segunda sessão foi evocado o referente da sessão anterior, tendo sido pedido aos participantes que representassem a sua ideia de garrafa de água. Pretende-se que os participantes se confrontem com a diferença entre desenho de observação, no qual a mão é dirigida pela percepção no tempo (Alfhen, 2008, p. 62),  e o desenho de uma ideia, no qual a mão é dirigida por uma memória ou ideia geral a respeito do referente, tanto no que diz respeito ao processo como ao resultado. 
No final do exercício foi introduzida uma reflexão a propósito do seu título, Isto não é uma garrafa, uma referência a Ceci n'est pas un pipe de René Magritte (ver pesquisa de trabalhos artísticos aqui), através da qual se procurou evidenciar a distinção e correspondência entre o referente garrafa e a representação da ideia de garrafa, e introduzir a noção de autorreferencialidade, segundo a qual o desenho se apresenta como realidade em si mesmo. 

Duração: 15 min.
Materiais: Folhas A3, Grafites, Marcadores. 




Fig. 9 - Mesa de trabalho durante a realização do exercício Isto não é uma garrafa.





Ao som da água


No segundo exercício, foi sugerido aos participantes que procurassem interpretar, através de um desenho mais gestual e abstrato, o som da água escutado ao longo do exercício. O exercício foi realizado sobre uma folha de papel cenário colocada no chão, em torno da qual os participante se posicionaram, e com os olhos vendados. Ao anular-se a presença da percepção visual, pretendemos, por um lado, promover uma maior concentração na percepção do som e da tensão gerada pelo contacto do material riscador com a superfície do papel, e por outro, reduzir o controlo do sujeito sobre o que é desenhado, abrindo dessa forma espaço para o acidental e o inesperado, e limitar a tendência para a representação de imagens, de figuras, que os participantes pudessem relacionar com o que ouviam. 

Neste exercício pretendemos que os participantes abordassem o desenho como experiência intelectual e sensual, não descritiva e autorreferencial, no qual a linha torna-se um prolongamento do corpo e mente do sujeito. Ao diminuir-se o controlo do sujeito sobre o resultado, sobre o produto da ação, procura-se valorizar o processo que lhe dá existência. Foi pedido aos participantes que desenhassem o invisível procurando afastar-se de um tipo de representação figurativa. 

Após a realização do exercício houve um momento de diálogo, reflexão e partilha sobre a experiência dos participantes e as concepções de desenho suscitadas pelo exercício. Em geral foi expresso pelos participantes a dificuldade em se afastarem de um desenho baseado diretamente na percepção visual, encontrando-se presentes nos registos realizados relações com imagens visuais sugeridas pelos sons.     


Duração: 15 min. 
Materiais: Papel de cenário, Marcadores, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas. 












Figs. 10, 11 e 12 - Registos fotográficos do decorrer do exercício Ao som da água




Fig. 13 - Registo fotográfico do resultado do exercício Ao som da água, um desenho no qual todos participaram.




Quem está a desenhar? 



No terceiro exercício pretendemos levar mais longe a limitação do controlo do sujeito sobre o que é desenhado, radicalizando a sua não intencionalidade e tornando ambígua a autoria do desenho. O exercício foi realizado sobre uma folha de papel cenário colocada sobre o chão. Os participantes foram divididos em dois grupos. Aos elementos de um dos grupos foi pedido que, de olhos vendados, se movimentassem sobre a folha, enquanto os elementos do outro grupo, e sem que os outros soubessem, procuravam registar esses movimentos. O desenho que resulta do registo da ação, fazendo coincidir processo e resultado, não é intencionalmente feito nem controlado por ninguém, a presença, expressão e autoridade do sujeito é, assim, quase excluída. Quase, pois cada participante movimentou-se sobre a folha de um modo particular, e cada participante registou o movimento, também, de um modo particular.
No final do exercício a reflexão conjunta fez-se em torno da questão presente no título do exercício, sobre a autoria do desenho. Visto que nenhum dos participantes teve um total controlo sobre o que foi desenhado, pode-se afirmar que nenhum foi realmente o seu autor.      

Duração: 30 minutos. 

Materiais: Papel de cenário, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas. 












Figs. 14 e 15 - Registo fotográfico de dois momentos do exercício Quem está a desenhar?.





Travessia 

No último exercício continuámos a exploração de um desenho fundado na relação estreita entre processo e resultado, entre a materialização e a ação ou performance do sujeito, mas criando uma zona de ambivalência em relação à intencionalidade ou não do sujeito. O exercício foi mais uma vez realizado sobre uma folha de papel cenário colocada sobre o chão. Foi pedido aos participantes que se posicionassem em torno da folha e colocado o desafio de atravessarem o espaço da folha até à extremidade oposta com a condição de só se poderem movimentar "desenhando" sobre esta. Cria-se assim uma tensão, uma ambiguidade relativamente à intencionalidade do sujeito, sendo convocada a sua capacidade inventiva que faz da travessia mais do que uma travessia, um pretexto para a invenção, intervenção e interação gráfica, como forma de fazer e conceber o desenho.    
No final do exercício procurou-se através do questionamento suscitar a reflexão sobre o modo como os participantes responderam ao desafio. Observou-se que cada participante fez mais do que atravessar a folha, aproveitando o pretexto da travessia para preencher a folha com sinais e marcas, desta vez, mais intencionais. Foi também abordada a autoreferencialidade do desenho em contraste, num olhar retrospetivo, com o tipo de desenho referencial abordado nos dois primeiros exercícios da sessão.  

Duração: 30 m
Materiais: Papel de cenário, Grafites, Marcadores, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas, objectos, fita adesiva. 












Figs. 16, 17 e 18 - Registos fotográficos da realização do exercício Travessia.  




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