Em Do desenho de observação ao desenho autorreferêncial, procurou-se, através da sucessão de exercícios, fazer a transição gradual entre uma conceção de desenho baseada na relação direta com a realidade observada, cujo propósito é estabelecer uma correspondência de semelhança com essa mesma realidade, para uma conceção desenho na qual este se assume como realidade em si mesmo, ou seja, um tipo de desenho autorrefencial. A transição referida implica mudanças relativamente ao tipo de representação, oscilando entre a figuração e a abstração; à função dos elementos gráficos, ora mais descritiva, ora mais expressiva e autorreferencial; à função do papel, passando de mero suporte a elemento pitórico; à concepção do espaço pictórico, partindo da ilusão da tridimensionalidade para afirmação da sua bidimensionalidade. O gráfico, em baixo, procura traduzir e sistematizar essas mudanças ocorridas ao longo dos exercícios. Através da diferenciação de duas zonas, associadas a aspectos distintos do desenho, que se estendem ao longo da sessão, pretende-se evidenciar a coexististência, embora com intensidades variáveis, de diferentes aspetos e concepções de desenho, chamando a atenção para ambiguidade e tensão entre concepções e práticas que o desenho comporta e cujos limites convencionais muitas vezes questiona e subverte.
ex.2 ex.3 ex.4 ex.5
Fig. 1 - Transformações ocorridas ao longo da sessão.
Legenda:
______________
Figuração
Papel como suporte
Elementos pictóricos descritivos
Ilusão de tridimensionalidade
______________
Desenho autorreferencial
Abstração
Papel como elemento pictórico
Elementos pictóricos expressivos
Espaço pictórico bidimensional
A sessão realizou-se numa sala preparada especificamente para a realização dos exercícios sendo disponibilizados os materiais necessários sobre as mesas, reunidas no centro da sala. Nela participaram 6 pessoas pode ser caracterizada como heterogénea em relação às idades, abrangendo pessoas entre os 18 e os 35 anos, em relação ao género, com um número equivalente de participantes do sexo feminino e masculino, em relação ao nível e formação académica, com dois participantes que se encontram a frequentar o ensino secundário na área artística, outros dois a frequentar o mestrado em Ensino das Artes Visuais, e os restantes dois sem qualquer tipo de formação artística específica e com licenciaturas na área de informática.
Fig.2- Fotografia da sala onde foi realizada a sessão.
EXERCÍCIOS
Desenho Livre.
A sessão teve início com um exercício livre no qual as únicas condições impostas aos participantes foram o tempo de realização do exercício e os materiais disponibilizados. Pretendeu-se que cada um parti-se da sua relação pessoal com o desenho para uma exploração mais dirigida por diferentes modos de pensar e fazer desenho iniciada no próximo exercício.
Duração: 15 min.
Materiais: Folhas A3, Grafites, Carvão, Marcadores, Lápis de Cera, Lápis de Cor, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas, Tesoura, Cola, Fios/ Linhas, Arame, Papéis.
Materiais: Folhas A3, Grafites, Carvão, Marcadores, Lápis de Cera, Lápis de Cor, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas, Tesoura, Cola, Fios/ Linhas, Arame, Papéis.
Fig. 3 - Fotografia de um momento da realização do exercício Desenho livre.
Isto é uma garrafa
No segundo exercício foi introduzido um referente comum a todos os participantes, uma garrafa com água, e foi-lhes pedido que, através do desenho, procurassem representar e caracterizar o referente. O desenho surge neste exercício como uma ferramenta de observação e análise do objeto representado, os elementos pictóricos têm uma função essencialmente descritiva, contribuindo para estabelecer uma relação de semelhança com o referente. O desenho assume assim um caráter fortemente figurativo e realista procurando contrariar a bidimensionalidade da folha através da perspetiva.
Duração: 20 min.
Materiais: Folhas A3, Grafites, Carvão, Marcadores, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas.
Fig. 4 - Fotografia de um momento da realização do exercício Desenho de observação.
Garrafa de água
No terceiro exercício manteve-se o referente e condicionou-se o controlo dos participantes sobre aquilo que desenhavam, através da estratégia do desenho cego no qual é ocultado o que é desenhado sobre o papel. Dessa forma desloca-se a atenção do resultado para o processo de correspondência entre a percepção e o gesto da mão que desenha, valorizando-se mais essa relação do que a semelhança com o referente e a implícita habilidade técnica. Nesta situação é diminuída a função descritiva dos elementos pictóricos, estes testemunhando antes a procura de correspondência entre percepção e gesto, o que permite alguma autonomização da linha e do espaço pictórico relativamente à realidade observada.
Duração: 10 min.
Materiais: Folhas A3, Marcadores, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas.
Fig. 5 - Fotografia de um momento da realização do exercício Garrafa de água.
Sem garrafa
No quarto exercício prosseguimos pelo caminho da autonomização dos elementos pictóricos em relação a um realismo ótico, retirando-se qualquer referente exterior ao sujeito e ao ato de desenhar. Foi sugerido aos participantes que se apropriassem da bidimensionalidade da folha, considerando-a como espaço de descoberta e exploração de eventos gráficos, como espaço de invenção. Neste exercício está implícito um tipo de representação abstrata.
Duração: 15min.
Materiais: Folhas A3, Marcadores, Tinta da China, Guache, Pincéis, Trinchas.
Fig. 6 - Fotografia de um momento da realização do exercício Sem garrafa.
No espaço pictórico
No quinto exercício coloca-se aos participantes o desafiado de desenharem tendo como único material a folha de papel. Pretende-se assim suscitar a exploração da superfície do papel enquanto espaço e elemento pictórico, mas também enquanto único material através do qual o desenho ganha existência. Neste exercício o desenho baseia-se numa relação mais direta e física entre o sujeito e a superfície de papel.
Duração: 15 min.
Materiais: Folhas A3.
Fig. 7 - Fotografia de um momento da realização do exercício No espaço pictórico.
Reflexão e diálogo em grupo.
Após a realização dos exercícios foi proposto aos participantes um momento de dálogo e reflexão sobre as transformações ocorridas ao longo dos exercícios relativamente aos diferentes tipos de desenho abordados, seus propósitos, tipos de representação e função dos elementos pictóricos; e relativamente ao seu papel e presença dos participantes enquanto sujeitos do desenho.
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