domingo, 25 de março de 2012

registo de aula 04 (24 - 03 - 2012)

Viagem após a aula, via A8, rumo a Mafra, reencontro familiar, saudades de estar presente passados estes meses. 


Procuro escrever o registo de hoje...

Sobressai uma observação da professora, algo do género: "hoje é só experiências positivas!" Pois é, é esse também o espírito presente na aula, positivo, contrariando o clima nacional de desalento e indignação expresso na greve e manifestação do passado dia 22. 
As experiências positivas no ensino, que trazemos connosco na nossa memória enquanto antigas alunas, que experienciamos directamente enquanto professoras/educadoras ou observamos nos outros, existem. É necessário conhece-las, partilha-las, analisa-las, "reflecti-las" (contagiando), reflectir sobre elas, para perceber o que nelas há de positivo, o que faz delas positivas e para quem? 

Sobressai a entrega profissional e pessoal de professores, a disponibilidade para os alunos, não limitada pelo toque que dita o fim da aula, pela sala de aula, pelos portões da escola. Esse "Ser" professora / professor, que é uma vocação, uma forma de estar na vida, com os outros, com o mundo, com nós próprios. Uma forma de estar, uma descoberta, partilhada, hoje, entre o grupo. O ir de encontro aos alunos, o percebê-los enquanto seres individuais, com interesses próprios com as suas vontades, com a sua visão do mundo em construção. dotados de autonomia, uma autonomia que só se conquista, constrói, num equilíbrio entre responsabilidade e liberdade. Subsiste um conflito interno, sobre a autoridade, os seu significado e necessidade, isto porque acompanha-me desde criança uma profunda repulsa relativamente à autoridade e à ideia de hierarquia subjacente. A representação do professor está e esteve ao longo dos tempos muito ligada a uma ideia de autoridade. Recordo as últimas aulas de Introdução à Prática Profissional, recordo as referências a "Vigiar e Punir" sobre a instrução, a disciplina, a ideia de ensino como correcção (?), modelação, domínio e constrangimento. Estas são questões fundamentais para mim para perceber e encontrar o sentido da educação e do papel do professor, que determinam a meu ver a postura perante ambas e perante a criança, jovem, ser humano. Recordo o professor Agostinho da Silva:


"De tal modo nos terá dominado o nosso sistema de educação que nunca mais criança alguma nascerá para ser livre na plena liberdade do mundo? Terá o feitiço tomado contra do feiticeiro e cada vez aperfeiçoaremos mais os nossos sistemas pedagógicos apenas para que cada vez maior a nossa eficiência na batalha da vida, ou na batalha em que transformamos a vida? Nenhum dos melhores acreditou jamais em que tal se desse; fé e esperança se têm unido para assegurar que para além de todas as violências, porventura necessárias para que o grupo humano se organizasse, o tempo virá de caridade, entendendo-se caridade não como aquele suplemento de humilhação que se leva aos que caíram na luta, mas como o amor irrestrito que, embora consciente dos defeitos do amado, o ama sem pensar em saldo positivo ou negativo."


In, “Educação de Portugal” (texto escrito em 1970), publicado em Textos Pedagógicos, Vol.II, Âncora editora, Lisboa, 2000.

   
Não poucas vezes me surgiu, sem que o desejasse, a analogia entre escola e prisão. Exagero da minha parte? Talvez, mas interessa perceber em que termos surge essa relação, sentida quando criança e por vezes, em algumas situações, como adulta em certos contextos escolares. 





   


domingo, 11 de março de 2012

registo de aula 03 (10 - 03 - 2012)



Passeio após a aula por ruas que teimo em desconhecer os nomes, subo, antes de chegar ao "Camões", em direcção ao "mirad'ouro". O sol bate lá em baixo, desço e sento-me no banco semi-circular para me alimentar do seu calor e das frutas que trago comigo. Três crianças brincam, entre risos e choros que se intercalam sem razão aparente.Escuto, uma música, distante, da esplanada:


Hey, Teacher, leave those kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall.
We don't need no education.
We don't need no thought control.No dark sarcasm in the classroom.
Teachers, leave those kids alone.
Hey, Teacher, leave those kids alone!All in all you're just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall    

Retomo a didáctica: os diferentes, poderá dizer-se, tipos de professores. A música associa-se à carta à professora partilhada hoje pela Eliane que, por sua vez, eu associara aos dois anos que inauguraram a minha experiência escolar. Retrato o tipo de professor(a): autoritário, que "educa" pelo medo, pelo abuso do poder, pela violência psicológica e física, práticas correntes na época - Hey, Teacher, leave those kids alone! We don't need no education... - Dessa não, certamente. 

Outras mentalidades, outras, presentemente mais adequadas (?) a uma compreensão mais "humana" do ser humano e do sentido e propósitos da educação, uma educação respeitadora do indivíduo, por isso também mais respeitada (?), mais dialogante sem necessidade de se impor, de constranger. Uma abordagem da educação que, acima de tudo desperte nos alunos o gosto em aprender (?), em aprender a ser, que é promover a auto-realização de cada um e desenvolvimento pleno dos seus potenciais!

Retomo a aula: a história do ensino de professores em Portugal, do ensino em geral e do ensino artístico em particular, as teorias e práticas adoptadas, as mudanças. Perspetivo as referências históricas, detecto conhecimentos que se perdem ou ganham. O contacto com a pessoa experiente (dirigente, cooperante) que pode por um lado impor a sua experiência ou partilha-la enquanto referência a ser pensada e reformulada pelos alunos, futuros, ou muitas vezes já presentemente, professores. Recordo a aula passada de Introdução à Prática Profissional, da capacidade do professor em partilhar, de forma aparentemente imprevista, formas interessantes (para os alunos) de proporcionar aprendizagem, de gerar raciocínio, intuição, imaginação, formas com as quais não contactei enquanto aluna. Valorizo a partilha desses conhecimentos, reconheço a sua riqueza, reconheço o seu propósito, explícito ou não: a aprendizagem, nossa, pelo exemplo, pelas referências que não se impõem de forma directiva, são antes partilhadas e reflectidas.


Trago um livro comigo, Escola da Ponte, Formação e Transformação da Educação, de José Pacheco, aprecio as correspondências. Nele encontramos um tipo de formação que teve lugar por volta de 1976 à qual Pacheco se refere como busca de alternativas e que se convencionou designar por "círculo de estudo". Cito um relato transcrito no livro que vai de encontro às reflexões quer sobre a educação em geral quer sobre a formação de professores:


"Fui educada para comer, ouvir e calar e a formação continuada tradicional é um massacre. As pessoas não podem ser pessoas e passam as horas a treinar-se em algo que lhes dizem terem de ser. Sempre gostei da formação se eu a quiser. Gostaria de saber qual é o segredo da Escola da Ponte, que oportunidades de formação são dadas aos professores da Ponte, o que os faz serem diferentes." (p.10)


Mais uma vez o contraste entre um ensino normativo, autoritário, directivo, e um ensino dialogante.

Retomo a aula: mais uma vez as 3 horas passam por nós sem delas nos apercebermos, uma sensação partilhada com a Sofia na pausa para um cigarro e partilha de outras sensações: saltimbancos sem raízes, o fazer a sua casa um qualquer lugar do mundo, (a condição dos professores?). O ambiente familiar e intimista, somos sete alunas e a professora, facilita a partilha e a reflexão, a camaradagem (?).

Reflectimos: são diversos os propósitos, as abordagens, as motivações, as práticas, as concepções em educação, parece-nos importante, partilhamos, haver uma integração, mais que uma exclusão, do que de mais proveitoso e construtivo pode haver em cada uma das perspectivas que contribua para concepções mais abrangentes e completas de educação, é importante gerar consensos(?).










domingo, 4 de março de 2012

registo de aula 02 (03 - 03 - 2012)




A aula foi dedicada à leitura das cartas a um(a) professor(a), a atmosfera foi intimista, de partilha de memórias carregadas de sentimentos, de reflexões, de projeções sobre o papel dos professores, da escola, dos aluno e da educação em geral. 

A escrita da minha carta foi adiada o mais possível, acontecendo na noite anterior à presente aula, já deitada, impulsionada pela obrigatoriedade e tensão gerada pelas várias questões, dúvidas que foram surgindo acerca da realização deste exercício: Para quem escrever esta carta? O que realçar no decorrer de todos estes anos de estudante (estado agora retomado)? O que me marcou mais enquanto aluna? O que escolher entre todas essas experiências que em parte me formaram, me transformaram? O que é no sentido mais lato o ser professor? 


Escolhi o que se apresentou, no momento, mais premente: uma professora e algumas situações que permanecem na minha memória por razões não positivas mas que são susceptíveis de gerar reflexões críticas e construtivas que me pareceram pertinentes na medida em que espelham uma visão do professor e  da educação dominante em Portugal, presente em quase toda a minha experiência enquanto aluna e que acredito ser importante perceber e questionar. 

Dando continuidade ao pensamento e a propósito da diversidade das cartas escritas, havendo colegas que as dirigiram a diferentes entidades desde a avós ou a alunos, dos comentários e pensamentos que as leituras e a própria natureza do exercício suscitou, na medida em que desconstrói a concepção tradicional de professor, tomando-o como um processo que se constroi a partir de várias experiências, nomeadamente aquelas tidas enquanto alunos, e procurando problematizar ainda mais o conceito de professor recordo o pensamento de Joseph Beuys, em especial o seguinte excerto do livro Cada Homem Um Artista.

"O que afirmo é que cada ser humano é uma consciência totalmente particular, uma possibilidade. E essa possibilidade não está fechada. Pode desenvolver-se para tornar-se maior. E a melhor forma é mediante um processo de educação e informação. Mas esse processo de educação, mais uma vez, não tem de ser autoritário, mas deveria acontecer de maneira oscilante entre as pessoas, ou seja, como uma relação universal do professor e do aluno. Entre os seres humanos. Tão Universal, no fundo, que se possa dizer que a linguagem é o professor. Isto é, no momento em que falo sou momentaneamente o professor. E, quando escuto, o aluno. ( ...) Que se vença o mutismo entre as pessoas, que se supere a sua alienação e o seu distanciamento." 


Joseph Beuys, in Cada Homem Um Artista.








Carta a um(a) professor(a)



Cara professora X,
  Escrevo esta carta num momento da minha vida em que me preparo para ser, tal como a professora o foi, professora. Preparação que leva-me a recordar e observar criticamente os exemplos, positivos e negativos, que contribuíram, positiva e negativamente, para a minha aprendizagem enquanto aluna e, presentemente, enquanto professora. Procuro na memória dos sentimentos dos pensamentos das experiências as aprendizagens suscitadas.Procuro perceber criticamente dar sentidos construtivos a essas experiências, sentidos que possam iluminar o caminho da acção pedagógica que pretendo ter de forma consciente e implicada. 
Recordo, estávamos no 11º ano do curso geral de artes da mítica Escola de Ensino Artístico António Arroio, a professora leccionava as aulas de Materiais de Registo e Técnicas de Expressão que correspondiam ao que se convencionou designar por Desenho. Falo no plural porque, por um lado, éramos uma turma, no geral, unida que partilhava pensamentos, ideias, alegrias e angústias, realizações, aspectos que contribuíram inegavelmente para a minha formação escolar e pessoal. Por outro porque me é difícil dissociar daquela que foi, ao longo da minha vida e até a minha entrada na Faculdade de Belas Artes, uma presença constante, a minha irmã gémea, Catarina. 
Recordo, o primeiro exercício que fizemos, uma colagem livre que nos representasse, com os  materiais que quiséssemos sobre aquilo que quiséssemos. Recordo entusiasmo pela liberdade de que dispúnhamos. No final do trabalho, que durou algumas aulas, cada um mostrou o que realizara, a professora e colegas comentaram os trabalhos. Recordo o que fizera, uma composição de imagens que me interessavam pela força que tinham e pelo sentido que ganhavam em conjunto em diagonais que se cruzavam um rosto masculino obliquamente gritava a preto e branco ocupava quase toda a folha, em seu redor dispunham-se outras imagens ramos secos de árvores rasteiras ou seriam troncos caídos queimados e contorcidos mãos de alguém erguidas num céu onde esvoaçava um pássaro. 
Recordo o seu comentário impressionado e satisfeito que me causou um misto de satisfação e embaraço: “aqui está uma pessoa que está no curso certo!” afirmou. Porque há outras que não estão? indaguei. E o embaraço veio daí, dessa discriminação que não conteve. Analiso os motivos do embaraço: qual o contributo pedagógico de tal afirmação feita apenas a mim, que não o de criar diferenciação e exclusão? E esse não é certamente um motivo pedagógico, ainda para mais no princípio do ano quando tantas aprendizagens, tantas descobertas estavam ainda por fazer. Que perspectiva do ensino está nele implícita, uma mera constatação das qualidades de alguns? Não me revejo enquanto professora nessa posição, prefiro aquela que olha para cada aluno como um ser único, especial em si próprio, que não se pode medir, avaliar segundo comparações fáceis que só contribuem para discriminar entre capazes e não ou menos capazes, um ser único que deve ser avaliado e apoiado, primeiro, nas suas conquistas e superações. 
Recordo, um outro comentário seu que me magoou particularmente, comentário que segue a mesma linha que o anterior, mas de natureza oposta, dirigido à pessoa que posso dizer ser-me a mais próxima e que chocou não só a mim como a todos os colegas que por estarem perto ouviram: “Coitadinha, tens o dedo partido e nem sabes desenhar!”. Nesse momento enraiveci por dentro, insultei-a por dentro, chorei por dentro, possivelmente mais do a pessoa a quem foi dirigido o comentário. Que falta de sensibilidade, que ausência de sentido pedagógico. É, apesar de infeliz, um comentário que levanta muitas questões que se prendem com as anteriores e com outra que é: o que é desenhar bem? Como avaliar isso? Qual a necessidade de o avaliar? Ainda para mais, dessa forma em jeito de comentário não muito bem intencionado? Que objectivos pedagógicos aí implicados?  Que visão do ensino? Não será antes o papel do professor ajudar o aluno a desenvolver as suas potencialidades e não o aferir taxativamente a suposta falta de capacidades dos alunos? O episódio como talvez recorde teve um desenlace interessante que fez-lhe reformular a sua precipitada opinião e expectativa negativa em relação à sua aluna, por acaso minha irmã gémea. 
Recordo, momento de preparação para provas globais, para a sua disciplina iríamos fazer um exame de desenho, teríamos de desenhar um fruto ou legume, a professora queria preparar-nos bem, fizemos um ensaio da prova, cada um desenhou um fruto ou legume à sua escolha, disse-nos que entregássemos o desenho sem o identificar. A professora iria avalia-los anonimamente, iria recorrer ao seu marido, arquitecto, pedindo-lhe que escolhesse o melhor desenho entre todos, e qual não foi a sua surpresa, tal como confessou, o que o seu marido elegera como sendo o melhor desenho era, nem mais, o desenho da pessoa a quem atribuíra fracas aptidões para o desenho e que, apesar do seu comentário depreciativo, continuara a desenhar como desenhava, entregando-se de corpo e alma ao que era, e continua a ser, para ela uma vocação. Questiono também a necessidade e o sentido pedagógico da eleição. 
Um ponto positivo sou obrigada a lhe reconhecer, a capacidade que teve precisamente em, reconhecer perante a turma o erro que cometera, o que todavia não apagou da memória o erro. Contudo, como dizia um amigo, o erro faz parte da dinâmica evolutiva! No que a mim diz respeito, o erro que faz-me reflectir sobre o sentido ético e pedagógico do papel do professor espero que a si tenha levantado também o mesmo género de reflexões.
Saudações,
Teresa Verdier.