domingo, 15 de abril de 2012

"...que se vença o mutismo entre as pessoas..."



"O que afirmo é que cada ser humano é uma consciência totalmente particular, uma possibilidade. E essa possibilidade não está fechada. Pode desenvolver-se para tornar-se maior. E a melhor forma é mediante um processo de educação e informação. Mas esse processo de educação, mais uma vez, não tem de ser autoritário, mas deveria acontecer de maneira oscilante entre as pessoas, ou seja, como uma relação universal do professor e do aluno. Entre os seres humanos. Tão Universal, no fundo, que se possa dizer que a linguagem é o professor. Isto é, no momento em que falo sou momentaneamente o professor. E, quando escuto, o aluno. ( ...) Que se vença o mutismo entre as pessoas, que se supere a sua alienação e o seu distanciamento." 



Joseph Beuys, in Cada Homem Um Artista, p.132, ed. 7 nós, 2010.




Beuys numa actividade com crianças do ensino primário em Dusseldorf.


                                                                       (sem informação)



sábado, 14 de abril de 2012

fragmentação de imagem, composição e construção narrativa


Exercício realizado no âmbito da disciplina de Comunicação Visual do 1º ano da licenciatura em Artes Plásticas - Escultura (1997/ 1998). 

No presente exercício cada aluno tinha de escolher uma fotografia que achasse interessante e isolando pormenores dessa imagem e integrando palavras conceber uma pequena narrativa. 

O exercício surge na sequência de outros exercícios nos quais era também posto em prática um processo de fragmentação da imagem transformando-a em várias imagens. Um processo que se aproxima do processo de representação da realidade, quer seja através de processos mecânicos como a fotografia ou de processos mais manuais como o desenho, no que diz respeito à selecção e enquadramento no olhar. Os exercício sucediam-se de forma progressiva: no 1º era pedido apenas que se isolasse um pormenor da imagem, no segundo vários pormenores pedindo-se depois que esses pormenores fossem alinhados segundo uma sequência, correspondendo o terceiro ao exercício aqui relatado. Esta sequência de exercícios culminava com um trabalho mais elaborado no qual os alunos teriam de produzir fotografias e construir uma narrativa gráfica recorrendo também a texto. 

No que diz respeito às competências, julgo que o exercício pretendia desenvolver nos alunos noções de composição, enquadramento e selecção  de uma imagem procurando-se aliar os aspectos formais aos  conteúdos e significados possíveis da imagem e suas possíveis transformações consequentes da sua manipulação. Pretendeu-se também desenvolver de forma gradual a sensibilidade dos alunos em relação às potencialidades comunicativas e narrativas das imagens promovendo-se assim o desenvolvimento nos alunos da capacidade de comunicarem visualmente.  

Recordo-me que este exercício agradou-me muito porque ia de encontro a interesses que eu já tinha: a fotografia e a narrativa gráfica, permitindo-me por isso desenvolver e explorar esses interesses e capacidades.  

Para este exercício escolhi uma fotografia de Man Ray pertencente à serie Erotique Voilée (1933) onde surge retrada Méret Oppenheim, artista associada ao grupo dos surrealistas e  modelo de Man Ray em muitos dos seus trabalhos fotográficos.
Era uma altura de mudanças, separações, transformações e descobertas e o erotismo começava a ganhar espaço em vários aspectos da minha vida, aliado a personalidades artísticas que iam compondo o meu universo de referências  artísticas e intelectuais, personalidades relacionadas com o grupo dos surrealistas e dadaistas: Giorgio de Chirico, René Magritte, Marx Ernest, Hannah Höch, Claude Cahun, Raoul Hausmann, John Heartfield, Kurt Schwitters, etc. Descobria escritores como Henry Miller e Anais Nin, pensadores como George Bataille ou Lou Andreas-Salomé.


Passava mais tempo sozinha, um contraste forte e difícil de superar em relação ao que fora toda a minha vida anterior com a presença constante da minha irmã. Recordo vagamente o momento em que fiz este trabalho. É para mim ainda um mistério a forma como surgiu, como foram aliados texto e imagem, como a relação entre ambos surgiu quase em simultâneo uma apelando ao outro reciprocamente. Recordo uma certa perplexidade perante o resultado. Recordo de o mostrar a uma colega com quem conversava muito na altura, recordo o espanto, mas isto é poesia, exclamava. Recordo o momento de avaliação com o professor, algo distante sentia eu na altura, recordo o silêncio, recordo apenas um comentário, não deve estar a gostar muito de estar aqui, recordo a perplexidade minha perante o comentário. 






Trabalho realizado:












Enquanto pessoa que pretende ser educadora julgo que é importante que se fale dos trabalhos dos alunos e de trabalhos de outros artistas de várias épocas  e correntes ou linguagens (o que em relação a estes últimos acontecia muito nas aulas de comunicação visual, mas dos trabalhos dos alunos, infelizmente,  não) pois é importante que os alunos desenvolvam capacidades de análise sobre o que fazem, eles próprios e os colegas, tanto a nível do resultado como a nível dos processos que conduzem a estes. Numa abordagem que envolva de forma equilibrada os vários aspectos ou dimensões dos trabalhos, não valorizando umas em detrimento de outras. Recordo que falava mais com alguns colegas e fora das aulas desse aspectos do que propriamente num contexto de aula. Julgo que essa partilha deveria acontecer nas aulas, que os professores são importantes fontes de conhecimentos e referências que podem ajudar os alunos nas suas descobertas. Penso que um professor, sendo mais experiente, maturo e possuindo um conhecimento mais vasto pode ter um papel importantíssimo na formação artística dos alunos ajudando-os a perspectivar-se a si próprio e o que fazem. Para que tal aconteça é fundamental que o professor conheça o aluno e estabeleça com este uma relação de respeito e confiança, que dialogue com os alunos e que proporcione, em aula, o diálogo entre estes. 


ENQUADRAMENTO TEÓRICO

O presente exercício enquadrar-se num entendimento da educação artística e da própria arte, e áreas relacionadas com a comunicação visual (por exemplo o design gráfico e a ilustração) que parte assumidamente da relação entre os aspectos formais, presentes na noção de composição e enquadramento, e aspectos relacionados com os significados, quer ao nível da interpretação quer ao nível da produção de sentidos, presentes de forma mais obvia na relação que se procura entre texto e imagem e na sequência narrativa. É uma abordagem que procura integrar aspectos formais e cognitivos, pragmáticos e funcionais, de expressão e comunicação individual.  Neste sentido julgo que o exercício enquadra-se no modelo reformista que María Acaso (Acaso, 2009) enuncia como sendo um modelo que propõe a reforma do ensino artístico partindo dos modelos anteriormente estabelecidos, são eles, segundo a definição de Efland (Efland, 1995, pp. 25-40), os modelos mimético-behavorista, expressivo-psicoanalítico, social-reconstrucionista e formalista-cognitivo. O modelo reformista insere-se numa abordagem "pós-modernista" da educação artística que defende que o único modelo válido é aquele que integre vários modelos e abordagens não privilegiando um único modelo como válido. A própria organização curricular da disciplina de Comunicação Visual vai de encontro a uma abordagem múltipla englobando aulas de carácter prático, nas quais foi proposto o exercício em análise, e aulas teóricas que abordavam vários aspectos da arte moderna e contemporânea, históricos, sociais e estéticos.    

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BIBLIOGRAFIA:


ACASO, María; La Educacón Artística no son Manualidades, Nuevas Práticas en la Ensenanza de las Artes y la Cultura Visual; ed. Los Libros de La Catarata; Madrid; 2009.

EFLAND, Arthur; "Change in the Conceptions of Art Teaching", in NEPERUD, Ronald W. (ed.) -Context, content and community in Art education: beyond post modernism; New York: Teachers College Press; 1995; pp. 25-40.







Objecto - forma e função


Apresentação do exercício:

Exercício proposto na disciplina de Materiais de Registo e Técnicas de Expressão do 11º do curso Geral de Artes.

Exercício de representação e recriação formal a partir de um objecto escolhido pelos alunos.

O exercício compreendia 4 fases ou abordagens:

. Observação e análise do objecto o que envolve uma relação mais objectiva com este tentando-se discernir as suas características formais: relações de proporção, textura, cor, volumes, peso, etc.

. Registo gráfico:

- Contorno.
- Claro - escuro: sombra própria, sombra produzida, esbatido, penumbra.
- Textura.

. Uso da cor utilizando de vários meios riscadores.


. Recriação da forma antes estudada:

- Simplificação (síntese da forma).
- Acentuação (exagero de um ou vários aspectos formais).
- Deformação (transformação da forma).
- Nivelamento (?).



Relato do Exercício:

O exercício era composto por várias fases, a primeira corresponde à escolha do objecto. Escolha que não correspondia a qualquer critério predefinido mas antes ao interesse subjectivo do aluno. O objecto que escolhi foi uma faca para cortar papel esculpida em marfim, objecto que pertencia aos meus pais e que fora trazido de Angola e com o qual me relacionara desde criança pelo seu aspecto físico, a cabeça esculpida numa das extremidades, o material macio e pela sua função recorrendo a ele diversas vezes e até de forma propositada para cortar papel.



Uma segunda fase correspondia à observação e representação objectiva do objecto. Reuno observação e representação pois julgo que não são acções que se complementam, pois a representação pressupõe observação atenta do objecto. Esta fase era composta por momentos distintos: um primeiro desenho mais simples e cingindo-se ao contorno a lápis de grafite; um segundo desenho, monocromático onde se pretendia uma representação das variações lumínicas, sendo representadas as várias sombras do objecto incluindo a sombra projectada sobre a superfície onde este estava pousado; no terceiro desenho procurava-se utilizando a cor através de vários materiais à escolha representar as tonalidades cromáticas do objecto, tendo para tal escolhido os lápis de cor e pastel seco para a luz. Realizei mais dois desenhos, num utilizei a tinta da china recorrendo à aguada para reproduzir as varias lumínicas e no outro usei pastel seco e tinta da china. 

Para além dos aspectos relacionados mais com a capacidade de representação também se pretendia explorar e desenvolver o enquadramento do desenho na folha e aspectos ligados à composição, à posição que este ocupava na folha. 
O facto de aparecerem vários desenhos numa só folha talvez se prenda com um factor económico, o poupar folhas, o que acaba por ter um resultado interessante pois são reunidas numa só folha diferentes abordagens pictóricas.


  
Representação








A terceira fase corresponde a uma recriação formal do objecto tendo em conta os parâmetros definidos pela professora: simplificação (síntese da forma), acentuação (exagero de um ou vários aspectos formais), deformação (transformação da forma) e Nivelamento (simplificação da forma). Não me recordo se esses parâmetros teriam de corresponder necessariamente a desenhos distintos ou não, mas pelo trabalho que fiz julgo ter procurado corresponder a esses parâmetros num só um desenho. 



Recriação




Quanto às competências desenvolvidas, para além das já referidas (observação e capacidade de representação objectiva) julgo  que o exercício procurou desenvolver a consciência de que um objecto pode ser abordado pictoricamente de formas diferentes que implicam processos diferentes, por exemplo o desenho de contorno implica a capacidade de síntese e abstracção,  fazendo-se corresponder os limites da forma e os volumes a linhas imaginadas. 
Também se desenvolve o conhecimento e o consequente domínio de vários materiais  e a percepção dos seus limites e potencialidades. São também desenvolvidas competências relacionadas com a criatividade e imaginação em conjunto com a noção que estas faculdades podem ser usadas de diferentes formas, ora para acentuar, simplificar ou transformar, podendo essas formas existir simultaneamente.

Quanto à avaliação mão me recordo em que moldes foi feita, a única indicação escrita que tenho da professora é a sua assinatura no verso de cada folha e no último desenho a palavra incompleto.
O último desenho é o que corresponde a uma abordagem mais individual do desenho e consigo perceber algumas semelhanças com algumas figuras que desenhava na altura quer no que diz respeito à forma quer no que diz respeito às cores e aos materiais  utilizados: figuras com formas muito sintetizadas, carecas e de expressão dura.  

Dois exemplos de trabalhos pessoais e um escolar feitos no mesmo ano.









ENQUADRAMENTO TEÓRICO:

Tendo em conta os quatro modelos de ensino artístico definidos por Arthur Efland  (Efland, 1995, pp. 25-40), modelos esses que combinam movimentos pedagógicas e movimentos artísticos mais proeminentes e paradigmáticos da história do ensino e das artes, e a descrição e análise do exercício anteriormente realizada, o exercício enquadra-se no modelo formalista-cognitivo que combina uma estética formalista, na qual a arte é definida segundo aspectos estruturais e formais e as obras de arte como entidades organizadas,  com uma visão cognitivista que concebe a aprendizagem como aquisição de estruturas cognitivas. A psicologia de gestalt é um dos pilares teóricos do exercício, corresponde ao estudo da percepção visual, da psicologia da forma, que integra a psicologia cognitiva, relacionada por Rudolph Arnheim com o formalismo na arte. O exercício pretende que o aluno adquirira capacidades perceptivas e de representação visual e, simultaneamente, os conceitos e vocabulários a estes associados, como por exemplo a noção de contorno, de sombra própria e sombra projectada, de textura, etc.. A avaliação faz-se em termos dos conceitos adquiridos e da sua adequada utilização.
A concepção formalista da arte envolve a noção de que arte tem um valor intrínseco  procurando conhecê-la nas suas características e aspectos formais, entendidos isoladamente, sem relação com outros aspectos da actividade  humana, acabando por se ruma forma, se entendida como única , restrita de entender a arte, como acontece com qualquer um dos modelos enunciados por Efland, pois a arte é das actividades humanas mais multifacetadas e polissémicas, envolvendo em si vários aspectos da actividade humana, quer sejam cognitivos, psicológico, sociais, políticos e económicos, não sendo por isso redutível a um modelo único de entendimento.  

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BIBLIOGRAFIA:


EFLAND, Arthur, "Change in the Conceptions of Art Teaching", in NEPERUD, Ronald W. (ed.) -Context, content and community in Art education: beyond post modernism, New York: Teachers College Press, 1995, pp. 25-40.