quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

 ‎"...works of art are the most intimate and energetic means of aiding individuals to share in the arts of living. Civilization is uncivil because human beings are divided into non-communicating sects, races, nations, classes and cliques"

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

considerações sobre o lugar do ensino artístico no sistema educativo em Portugal, uma metáfora:



à procura de conforto numa poltrona incómoda


Bruno Munari, in Fantasia

visita à escola da ponte

"não sou nada"



caixa de cartão com excerto do poema Tabacaria de Alvaro de Campos.






Actividade concebida e realizada para e com os utentes do Centro Ocupacional da Associação Crescer na Maior, espaço direccionado para população sem abrigo com problemáticas relacionadas com a toxicodependência.

A actividade consiste na intervenção livre, recorrendo a vários materiais disponibilizados, sobre uma caixa de cartão vazia e aberta num dos lados no fundo da qual se encontra a primeira estrofe da Tabacaria de Alvaro de Campos:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


A actividade foi realizada em grupo e em equipa (constituída por mim e pela psicóloga do centro ocupacional, Alexandra Aguiar), em torno de uma mesa grande onde se encontravam vários materiais: riscadores, tintas, papeis coloridos, jornais e revistas, cartolinas, tampas, embalagens, etc.. Cada interveniente tinha à sua frente uma caixa de cartão (as caixas eram todas iguais) com a abertura voltada para baixo, depois da audição do excerto do poema dito por Villaret, os intervenientes foram convidados a intervir livremente sobre a caixa. 


A escolha do texto não foi inocente, tendo até um propósito provocatório no sentido de criar uma reacção, de ter um impacto sobre os intervenientes, levando-os a sentirem-se impelidos existencialmente a agir sobre a caixa procurando contrariar a negação existencial expressa nos primeiros versos e dando, assim,  forma ao último verso. Projectando os seus sonhos, aspirações, convicções, agindo criativamente sobre a caixa, refazendo o poema, ou mesmo não fazendo nada, como aconteceu com um dos intervenientes. Diversas, como diversos são os indivíduos, foram as reacções, todas elas impulsionadas por um sentimento que julgo ter sido, no início, de indignação perante teor do poema. 


Quero dizer que foi arriscada esta actividade. Poderia ter sido irremediavelmente mal interpretada pelos intervenientes. Um dos factores que concorreu para o seu sucesso foi a relação de respeito, confiança e proximidade que se havia estabelecido com eles, uma relação   construída diariamente, através do diálogo, do estar presente com utentes, do escutar. Após a actividade houve uma conversa, em círculo, entre todos, onde cada um pôde partilhar o que tinha feito, sentido, pensado. Apesar do choque inicial os intervenientes consideraram a actividade construtiva, levando-os a tomar uma posição, uma atitude, neste contexto, criativa.

O principal propósito desta actividade, bem como o de outras realizadas com esta população específica, foi o de promover e possibilitar a mudança de comportamentos, de formas de sentir, estar e agir consigo e com os outros, introduzindo uma dinâmica de teor criativo e de livre expressão que de certa forma despertasse energias, impulsos, vontades que dadas as características da população, psicológicas, sociais e económicas, possam estar adormecidas, anestesiadas, negadas, reprimidas.


A actividade foi realizada mais recentemente no contexto de uma apresentação no âmbito da área curricular de Psicologia da Arte no Mestrado em Ensino das Artes Visuais, com o tema "O que é a arte e porque é que o ser humano precisa dela?". Questão enunciada por Dmitry Leontiev como  fundamental para a psicologia da arte e que procurei relacionar com o pôr em jogo e dar forma, dar existência a essa ideia expressa no poema, o de conter todos os sonhos do mundo, dimensão fundamental no ser humano, através da qual o ser humano se projecta para o futuro e constrói sentidos e significados numa dimensão individual e social. 


Nesta situação havia uma caixa para um grupo formado por 6 elementos introduzindo uma dimensão colectiva, de criação em conjunto de significados que pudessem completar o vazio da caixa e mesmo transformar a sua forma inicial. O grupo desenvolveu a actividade com entusiasmo e dedicação, revelando grande satisfação na sua realização. A sessão contou com o estimado apoio da Elisa Paulino, amiga e companheira neste mestrado.
    

Registo fotográfico por Elisa Paulino:





registo de aula 01 (18 - 02 - 2012)





A presente aula, a minha primeira, suscitou-me a reflexão que se segue dando continuidade ou retomando as reflexões que fizera recentemente por ocasião do trabalho final de Didáctica do Desenho:




A didáctica envolve pensar sobre os propósitos da educação o que pressupõe inevitavelmente uma imagem do ser humano, que ser humano se pretende projectar para o futuro? E logo, que sociedade? Que mundo? O que implica por sua vez um posicionar político, no sentido em que se interfere na organização da vida pública, pois a escola enquanto contexto educativo, enquanto instituição e organismo público, é reflexo da sociedade ao mesmo tempo que participa, a cada momento, da sua construção, já que ela prepara e de certa forma molda os adultos de amanhã  as sociedades, as civilizações futuras. O lugar do professor ou educador não é, por isso, um lugar neutro. A didáctica exige que o professor questione o seu lugar em relação aos alunos, o seu lugar em relação à educação em geral e a forma como a sua posição influência o como e o que ensina. Exige como dizia Paulo Freire uma ética.

Parecem-se vislumbrar duas direcções contrárias e determinantes desse posicionar do professor desenhadas na seguinte citação de Agostinho da Silva: 


“Põe-se naturalmente para o educador o problema de preparar desde a escola o cidadão que as circunstâncias reclamam, dando-lhe ao mesmo tempo todas as faculdades de iniciativa necessárias pare que o mundo não pare e para que o indivíduo seja, não uma simples roda de máquina, não o passivo aceitador de tudo o que existe, mas, em todas as suas actividades um homem desejoso de novos horizontes.”
Agostinho da Silva, in "Textos Pedagógicos I" p. 235