domingo, 25 de novembro de 2012

Desenho, em questão: reflexão individual




A prática pedagógica pode ser entendida pelo professor, tal como a prática artística pelo artista, como um processo em aberto, em constante revisão e reformulação, surgindo a cada momento situações imprevistas e incertas, geradoras de novos conhecimento e significados, por sua vez, geradores de novas práticas. " É ao refletir sobre a ação que se consciencializa o conhecimento tácito, se procuram crenças erróneas e se reformula o pensamento"(Serrazina & Oliveira, 1999, p.4).

Refletindo a um nível técnico, relacionado, na perspetiva de van Manem, com a aplicação técnica do conhecimento educacional (Serrazina & Oliveira, 1999, p.6), o intervalo de tempo verificado entre a primeira sessão e a segunda e terceira sessões permitiu reformular alguns aspetos que poderiam ser melhorados. No que diz respeito à comunicação com os participantes foram corrigidos alguns atropelos motivados pela vontade de clarificar os propósitos dos exercícios e a dificuldade em fazê-lo de uma forma coletiva, havendo nas duas últimas sessões um maior cuidado em deixar que cada elemento finalizasse o seu raciocínio. Relativamente à reflexão conjunta sobre as conceções de desenho exploradas em cada exercício e suas implicações, que na primeira sessão concentrou-se mais no final da sessão, o que, devido à sobreposição de diferentes aspectos de natureza complexa, dificultou a reflexão sobre os mesmos. Na procura de facilitar a reflexão e a consequente compreensão  sobre as experiências propiciadas pelos exercícios, o que constituía um dos principais propósitos da unidade didática, criaram-se momentos de reflexão conjunta entre os exercícios que permitiram um fluxo de pensamentos sobre a experiência mais constante e profícuo. No que diz respeito à organização dos conteúdos explorados, a sua comunicação visual foi feita através de um gráfico, constituído por um retângulo, em posição horizontal, que representa a sucessão de exercícios ao longo da sessão, dividido transversalmente em duas zonas que representam aspetos do desenho, de certa forma, opostos, mais ou menos presentes ao longo da sessão, num sentido crescente e decrescente. O contraste entre as duas zonas forma no gráfico uma linha reta ligeiramente desencontrada da diagonal do retângulo. No entanto, não me parece que esta traduza adequadamente a variação provocada pelos exercícios ao longo de cada sessão, pois essa variação é mais irregular e, por outro lado, difere de participante para participante. O gráfico apresentado a seguir  procura traduzir mais adequadamente a referida variação. Numa diferente abordagem o gráfico poderia ser feito pelos próprios participantes podendo-se desse modo integrar melhor a reflexão sobre a prática. 






Numa reflexão ao nível prático e crítico, segundo van Manem relacionada com os pressupostos e valores e com questões éticas, sociais  e políticas (Serrazina & Oliveira, 1999, p.6), Desenho, em questão, partiu de um questionamento, primeiro individual e depois coletivo, sobre o que pode ser o desenho e o seu ensino e aprendizagem, em contraste com a minha experiência do seu ensino, secundário e superior, enquanto aluna,  no qual parece-me imperar um desenho referencial, baseado no realismo ótico, que pode ser enquadrado no que Efland designa de uma conceção mimética do desenho e do seu ensino, fundada na imitação de modelos ou da natureza, encontrando-se também exemplos de uma abordagem formalista, na qual é valorizado o sistema organizacional identificado nas obras de arte, sendo o seu ensino baseado nos elementos do desenho e no domínio da sua linguagem e conceitos específicos (Efland, 1995). Abordagens que me parecem limitativas relativamente à abrangência do desenho enquanto área do conhecimento. 

O questionamento que esteve na origem de Desenho, em questão surge, não apenas da minha prática artística, mas acima de tudo, do pensamento sobre a sua pedagogia e da convicção de que esta deve ser abrangente e voltada para a construção de conhecimentos através da exploração, experimentação e reflexão, integrando diferentes abordagens observadas ao longo da(s) história(s) da(s) cultura(s) humana(s). Uma abrangência que transcende a esfera dos interesses pessoais enquanto artista. Princípio que levou-me a investigar as concepções e práticas de artistas diversos, bem como de escritos teóricos sobre estes e sobre o desenho em geral. O que levou-me a interessar-me e a conhecer de forma mais profunda práticas artísticas que até então não faziam parte do meu universo de referências, não por desconhecimento da sua existência, mas porque as suas abordagens não correspondiam ao que me interessava explorar artisticamente. Penso que o ser professor possui uma dimensão transpessoal, que está também presente no artista, veja-se o exemplo extremo de Fernando Pessoa e a heteronomia, que é para mim fundamental na construção da identidade do professor, mas que enquanto artista não considero, no meu caso, estar tão presente. É essa dimensão transpessoal que me intriga e faz-me pensar na educação como construção colaborativa, dinâmica e segundo uma estrutura de relações horizontal e não vertical.  

Da investigação e da reflexão conjunta sobre esta partiu-se para a concepção de actividades, exercícios, que suscitassem a compreensão e reflexão sobre as multiplas possibilidades do desenho, através da exploração e descoberta, em contextos ou situações específicos de atuação que permitissem aos participantes agir criativamente e, simultaneamente, situar essas experiências e delas retirar  e organizar conhecimentos. Esse processo de conceção dos exercícios envolveu uma intensa reflexão conjunta, pautada por acesas discussões, construtivas e frontais, com o objetivo de clarificar propósitos e definir modos de os pôr em prática. O colocar em prática das atividades concebidas e planeadas não corresponde à aplicação de uma formula, é também ele um processo de adequação a um contexto de ação e seus intervenientes. Processo que, tanto no momento de conceção como no de atuação, exige uma predisposição para aceitar a incerteza, para a descoberta e experimentação, e a capacidade de lidar e tirar proveito de situações únicas e imprevistas, características presentes no que Donald Schön designa de "artistry", ao reportar-se às competências que os profissionais convocam em situações únicas, incertas e de conflito (Serrazina & Oliveira, 1999, p. 3). A noção de "artistry" relaciona-se com o conceito de professor-artista / artista-professor, que, mais do que uma combinação entre duas profissões, constitui uma verdadeira filosofia de ensino e aprendizagem. Esta baseia-se não só no uso de processos artísticos no contexto de sala de aula, que pressupõe uma relação estreita entre pensamento artístico e pensamento pedagógico que escapa a uma combinação de papeis institucionalmente definidos, como refere  Daichendt (2010 p. 61), mas muito nessa "artistry", nessa predisposição para a descoberta, observada por Schön, que não é exclusiva do ensino artístico, podendo-se verificar em professores de outras disciplinas, bem como noutras profissões fora da esfera artística. 

Prosseguindo a abordagem do conceito professor-artista / artista-professor, há outro aspeto pertinente em Desenho, em questão, que merece ser mais explorado e desenvolvido de um modo mais consciente em ações pedagógicas futuras. Aspeto relacionado não com os professores, mas com os alunos e o processo de aprendizagem, cuja estratégia em Desenho, em questão procurou envolver de uma forma sistemática, não só a reflexão na ação promovida pelas situações criadas pelos exercícios que exigiam lidar com o inesperado, ou seja, exigiam um diálogo com os materiais de cada situação, mas também a reflexão colaborativa sobre a ação que contribui para "a compreensão e a troca de conhecimentos e experiências" (Serrazina & Oliveira, 1999, p. 5). O que faz pensar no conceito de aluno - artista e numa aprendizagem reflexiva que deve ser pensada nos termos da sua qualidade e natureza, e não da mera ocorrência, pois como refere Zeichner relativamente ao ensino de professores, o "importante é o tipo de reflexão que queremos incentivar nos nossos programas de formação de professores, entre nós, entre nós e os nossos estudantes e entre os estudantes” (1993, p. 50, cit. Serrazina & Oliveira, 1999, p. 7). Penso que o que Zeichner preconiza em relação à formação de professores pode estender-se à educação em geral e nomeadamente à artística, nesse sentido o professor-artista ou o artista-professor teria a responsabilidade de criar situações que permitissem aos alunos pôr em jogo a "artisticidade" identificada por Schön, esse diálogo com os materiais de uma dada situação e a reflexão sobre esse diálogo, individual e em colaboração.  Penso que em Desenho, em questão foi ensaiado um tipo de abordagem pedagógica na qual o processo de ensino e aprendizagem é fundado nesse diálogo com os dados de uma situação, que se faz tanto num nível técnico e manual como conceptual. Uma abordagem que se enquadra no paradigma de educação artística pós-moderno, no sentido em que não partindo de um modelo único de arte, procura suscitar a reflexão e a compreensão, através da prática e do diálogo, sobre o desenho partindo de diferentes perspetivas sobre este para dessa forma promover a construção de uma concepção de desenho abrangente e aberta, que possibilite novas abordagens e conhecimentos e respeito do desenho. 




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