caixa de cartão com excerto do poema Tabacaria de Alvaro de Campos.
Actividade concebida e realizada para e com os utentes do Centro Ocupacional da Associação Crescer na Maior, espaço direccionado para população sem abrigo com problemáticas relacionadas com a toxicodependência.
A actividade consiste na intervenção livre, recorrendo a vários materiais disponibilizados, sobre uma caixa de cartão vazia e aberta num dos lados no fundo da qual se encontra a primeira estrofe da Tabacaria de Alvaro de Campos:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
A actividade foi realizada em grupo e em equipa (constituída por mim e pela psicóloga do centro ocupacional, Alexandra Aguiar), em torno de uma mesa grande onde se encontravam vários materiais: riscadores, tintas, papeis coloridos, jornais e revistas, cartolinas, tampas, embalagens, etc.. Cada interveniente tinha à sua frente uma caixa de cartão (as caixas eram todas iguais) com a abertura voltada para baixo, depois da audição do excerto do poema dito por Villaret, os intervenientes foram convidados a intervir livremente sobre a caixa.
A escolha do texto não foi inocente, tendo até um propósito provocatório no sentido de criar uma reacção, de ter um impacto sobre os intervenientes, levando-os a sentirem-se impelidos existencialmente a agir sobre a caixa procurando contrariar a negação existencial expressa nos primeiros versos e dando, assim, forma ao último verso. Projectando os seus sonhos, aspirações, convicções, agindo criativamente sobre a caixa, refazendo o poema, ou mesmo não fazendo nada, como aconteceu com um dos intervenientes. Diversas, como diversos são os indivíduos, foram as reacções, todas elas impulsionadas por um sentimento que julgo ter sido, no início, de indignação perante teor do poema.
Quero dizer que foi arriscada esta actividade. Poderia ter sido irremediavelmente mal interpretada pelos intervenientes. Um dos factores que concorreu para o seu sucesso foi a relação de respeito, confiança e proximidade que se havia estabelecido com eles, uma relação construída diariamente, através do diálogo, do estar presente com utentes, do escutar. Após a actividade houve uma conversa, em círculo, entre todos, onde cada um pôde partilhar o que tinha feito, sentido, pensado. Apesar do choque inicial os intervenientes consideraram a actividade construtiva, levando-os a tomar uma posição, uma atitude, neste contexto, criativa.
A escolha do texto não foi inocente, tendo até um propósito provocatório no sentido de criar uma reacção, de ter um impacto sobre os intervenientes, levando-os a sentirem-se impelidos existencialmente a agir sobre a caixa procurando contrariar a negação existencial expressa nos primeiros versos e dando, assim, forma ao último verso. Projectando os seus sonhos, aspirações, convicções, agindo criativamente sobre a caixa, refazendo o poema, ou mesmo não fazendo nada, como aconteceu com um dos intervenientes. Diversas, como diversos são os indivíduos, foram as reacções, todas elas impulsionadas por um sentimento que julgo ter sido, no início, de indignação perante teor do poema.
Quero dizer que foi arriscada esta actividade. Poderia ter sido irremediavelmente mal interpretada pelos intervenientes. Um dos factores que concorreu para o seu sucesso foi a relação de respeito, confiança e proximidade que se havia estabelecido com eles, uma relação construída diariamente, através do diálogo, do estar presente com utentes, do escutar. Após a actividade houve uma conversa, em círculo, entre todos, onde cada um pôde partilhar o que tinha feito, sentido, pensado. Apesar do choque inicial os intervenientes consideraram a actividade construtiva, levando-os a tomar uma posição, uma atitude, neste contexto, criativa.
O principal propósito desta actividade, bem como o de outras realizadas com esta população específica, foi o de promover e possibilitar a mudança de comportamentos, de formas de sentir, estar e agir consigo e com os outros, introduzindo uma dinâmica de teor criativo e de livre expressão que de certa forma despertasse energias, impulsos, vontades que dadas as características da população, psicológicas, sociais e económicas, possam estar adormecidas, anestesiadas, negadas, reprimidas.
A actividade foi realizada mais recentemente no contexto de uma apresentação no âmbito da área curricular de Psicologia da Arte no Mestrado em Ensino das Artes Visuais, com o tema "O que é a arte e porque é que o ser humano precisa dela?". Questão enunciada por Dmitry Leontiev como fundamental para a psicologia da arte e que procurei relacionar com o pôr em jogo e dar forma, dar existência a essa ideia expressa no poema, o de conter todos os sonhos do mundo, dimensão fundamental no ser humano, através da qual o ser humano se projecta para o futuro e constrói sentidos e significados numa dimensão individual e social.
Nesta situação havia uma caixa para um grupo formado por 6 elementos introduzindo uma dimensão colectiva, de criação em conjunto de significados que pudessem completar o vazio da caixa e mesmo transformar a sua forma inicial. O grupo desenvolveu a actividade com entusiasmo e dedicação, revelando grande satisfação na sua realização. A sessão contou com o estimado apoio da Elisa Paulino, amiga e companheira neste mestrado.
Nesta situação havia uma caixa para um grupo formado por 6 elementos introduzindo uma dimensão colectiva, de criação em conjunto de significados que pudessem completar o vazio da caixa e mesmo transformar a sua forma inicial. O grupo desenvolveu a actividade com entusiasmo e dedicação, revelando grande satisfação na sua realização. A sessão contou com o estimado apoio da Elisa Paulino, amiga e companheira neste mestrado.
Registo fotográfico por Elisa Paulino:
2 comentários:
Dispositivo, (a difusão do texto, os materiais propostos para trabalhar e sobre tudo o princípio caixa), interessante.
Tanto a dimensão individual como a colectiva são formas de intervenção eficazes, levando assim os participantes à descoberta e ao questionamento de um ponto de vista próprio e pessoal relativamente à condição de cada um(a).
O facto de o espaço tempo e físico serem os mesmos para todos é propício ao intercâmbio, colocando assim todo o tipo de impressões « em cima da mesa » não só no que diz respeito ao diálogo, mas também no que diz respeito à realização plástica subjacente à própria intervenção, desencadeando desta forma um processo de (auto)-conhecimento(s) através do outro como igual a si mesmo, ou seja; a condição humana via o efeito espelho de mãos dadas com a experiência estética individual e colectiva!.
A escolha do texto é pertinente dado o contexto no qual se desenvolveu a actividade.
O projecto e iniciativa são bons e apropriados!
N.
OLá Nuno,
a ideia do texto e da caixa surgiram interligadas e como forma de agir perante aquele público específico com qual convivia diariamente e que costuma estar atolado na inércia... precisava de os provocar de uma forma construtiva. E desencadiou-se alguma coisa, não sei se auto-conhecimento, ou a que nível, mas acho que os fez pensar sobre a sua vida e agir naquele momento. Ao princípio acho que se sentiram insultados... :-) valeu a relação que já tinha com eles e dizer que se tratava de um poema e que eles poderiam intervir sobre o sentindo do poema/objecto... e do vazio surge algo. Tenho pena de já não ter fotografias das caixas realizadas por eles, um dos utentes transformou a caixa num autocarro... Foi das experiências mais gratificantes para mim, desde a forma como a actividade foi criada ao como foi desenvolvida, foi um verdadeiro acontecimento, julgo que para todos.
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